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Amor redentor


Nesta ocupada e azafamada vida, frequentemente engolimos seco os cruzamentos que se rarefazem em sua humilhante jornada. Em Ezequiel 21:26, a falsamente libertadora passagem (“os humildes serão exaltados, e os exaltados serão humilhados”), tão deturpada nos dias de hoje, protege maternalmente o bode expiatório de minha humilhação. Acredito na redenção do porvir, no exato momento em que responderei às mensagens há muito esquecidas, cartas mofadas. E nessa tentativa de reacender a fátua chama das palavras que gritavam meu nome, assumo um posicionamento tão díspar à minha futura profissão: eu crio um câncer. Não apenas crio, como também alimento sua insidiosa proliferação, um tumor que cresce por entre meus dedos, meus olhos, meus ouvidos e minha boca. Inúmeras frases dizendo: “como você está?”, “sua mãe não atende o telefone”, “olha este vídeo que te mandei”; eu as ignoro. Não me entenda mal, não me permita sofrer mais do que já sofro, afinal o flagelo a que me submeto em mim se originou e estou mais que disposto a sangrar minha consciência. Peço desculpas em um ritmo tão consistente quanto os erros que cometo. Guardo em mim a razão das conversas não respondidas. Se me perguntam qual é a razão, não posso responder. Isso não é um pedido de desculpas.

Isso é uma felicitação. Isso é uma resposta ao que não foi e deveria ser dito dentre todas as discussões jogadas fora. Estou cansado de absorver o impacto irrestrito de um anátema emocionalmente carregado, e portanto escrevo um pedido de compreensão. Existem palavras que combinam com outras, tal qual as cores de uma vestimenta ou os sabores de um prato miscigenado. Existem palavras que são perfeitas uma para a outra em virtude de sua sonoridade, como em poemas que bailam nos joguetes fonéticos (“Em rosas/ formosas/ de vivo/ lascivo/ carmim”); outras pulsam a fidedignidade do Universo (“o vigoroso e sedento Sol”). Neste percurso, encontram-se as palavras que trazem verdade exoráveis, e nesta categoria incluo a dupla dinâmica que motivou esse demasiadamente extenso – e necessário - texto: pai e filho.

Nos últimos dias, não consegui me explicar a você. Não por falta de tentativa, mas por falta de convicção, já que, estupidamente, não acredito na falta que você me faz. Eu persisto na crença de que estou soterrado por meus inadiáveis compromissos sendo que a maioria é maleável a ponto de ser rearranjado. Perco-me tão facilmente por entre os galhos de meu tortuoso tronco, da coluna escoliótica que gerei para mim, que não mantenho o único contato possível ditadas as condições. Entenda que não faço por mal, não esqueço intencionalmente de ouvir aquela música que momentos atrás você ouviu e julgou, embasado acertadamente nas experiências passadas, que me agradaria. Sinto estar em casa sem ser de casa. Sinto uma embriaguez que traveste minha rotina a ponto de tropicar nos meus compromissos, por menores que sejam. Esse amálgama de angústias tem turvado minha manhã e acentuado minha noite. Não quero pedir desculpas porque errei novamente, não quero abusar de sua boa vontade para comigo, um pássaro que precisa de migrar e não sabe se orientar. Eu quero encontrar o caminho de casa. Por favor, tente me entender.

Estou aqui para te parabenizar. Isso é uma carta de felicitações, afinal. Estou aqui para te desejar aquilo que precisa, aquilo que não cabe a mim desvendar, apenas estar ao seu lado. Quero estar ao seu lado, e não basta a proximidade física, é preciso que o abraço tenha a vitalidade do amor que reside na nossa alma. Às vezes, me sinto um covarde por não encarar meus compromissos íntimos, com as pessoas mais próximas espiritualmente de mim. Desculpe não ter escrito seus textos, desculpe não ter dado a atenção que pedia, desculpe não ter cumprido minhas promessas. Desculpe-me.

Ainda acredito que esta não é uma carta de desculpas, embora as contenha. Acredito que esta é uma carta de amor. Eu o amo e desejo você próximo de mim, como sempre fomos. Pai e filho, amigos de alma. Sou limitado e não posso deixar de parabenizá-lo por seu dia. Do fundo do meu coração, feliz aniversário!


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